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Administração Pública e políticas consensuais: existe um Estado não adversarial?


A política do “acordo” é uma proposta declarada na gestão judiciária e processualística. O Código de Processo Civil de 2015 prevê a preferência pela solução consensual de conflitos (art. 3º, §2º), no que é seguido de outros diplomas, a exemplo da Lei 13.140/2015. Essa perspectiva tem fundamento em fatores relevantes, entre os quais podemos destacar três: (a) redução de custos e tempo do processo judicial; (b) satisfação das partes através do consenso; (c) exequibilidade efetiva e célere das decisões. O êxito de técnicas negociais, a exemplo da mediação e conciliação (sem prejuízo das demais) é evidenciada na atualidade, seja pelos números que apresentam, seja pela legitimidade que vem ganhando no cenário jurídico. Observa-se que a complexidade social e econômica das relações humanas e, consequentemente, dos conflitos que delas surgem retira cada vez mais do Poder Judiciário a capacidade de enfrentar, com a devida profundidade, cada caso que lhe é submetido. A satisfação do procedimento contencioso (em que não há acordo), ademais, é sempre pendente para apenas um lado (aquele vitorioso). Esse contexto anunciado, contudo, ainda não recebeu o mesmo valor quando a lide envolve uma pessoa jurídica de direito público como uma das partes. Em que pese a previsão contida nos diplomas normativos, as medidas para implantação de uma estrutura jurídica e cultural voltada à consensualidade internamente ao Estado ainda são incipientes. O art. 174 do CPC prevê a obrigação aos entes federativos de criar câmaras de mediação e conciliação voltadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo. Porém, poucos (para não dizer quase nenhum) Estados instituíram essa câmara, como, por exemplo, o Estado do Rio Grande do Sul. O Estado de Goiás, a título de exemplo, ainda não possui uma legislação tratando da criação daquela estrutura administrativa, não obstante já terem sido adotadas tratativas técnicas para elaboração do projeto. Os entraves à implantação da cultura consensual perpassam questões retóricas e políticas complexas. Há temor de represália por meio de controles internos ou externos questionamento a atuação dos representantes estatais (advogados públicos); discutem-se quais matérias e processos poderiam ser objeto de transação, considerando uma suposta “disponibilidade”do interesse público; indagam ainda a possibilidade de questionamentos pela adoção de critérios diferentes entre representantes, tendo em vista a necessidade de garantia da isonomia e impessoalidade. A nosso ver, contudo, a cultura consensual deve iniciar especialmente a partir da transformação de atitude do Estado, inclusive mediante a superação dessas barreiras. A Administração Pública ocupa boa parte da clientela do Poder Judiciário, figurando no polo ativo ou passivo de processos que tramitam, de sorte que a gestão dos seus processos impacta diretamente na gestão do Poder Judiciário e nos números que são apresentados anualmente. Nesse sentido, afastar a consensualidade das lides envolvendo o Estado é um impeditivo claro da viabilização de políticas públicas efetivas e de uma gestão judiciária de qualidade. A reflexão sobre o papel do Estado no campo da consensualidade – no que se inclui a mediação e conciliação – deve ocorrer de imediato. Deve-se avançar sobre questões essenciais que já se encontram em atraso para implementar uma verdadeira política pública voltada à consensualidade administrativa. A velha atuação impositiva não atende mais aos anseios de uma sociedade complexa e de informações flutuantes. Se a sociedade se reinventou, está na hora de haver também a reinvenção do Estado.




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